Conto de fadas popularizado por Hans Christian Andersen
Tradução e adaptação de Marlo George
Um soldado marchava ao longo da estrada: "Esquerda, direita - esquerda, direita." Ele trazia nas costas uma mochila e uma espada na cintura; estava vindo da guerra, e agora retornava para seu lar. Enquanto caminhava, conheceu, na estrada, uma bruxa velha de aparência assustadora. Seu lábio inferior caía sob seus seios, e ela parou e disse, "Boa tarde, soldado; Você tem um espada muito fina e uma mochila muito grande; daí que terás mais dinheiro do que poderia um dia desejar."
"Obrigado, velha bruxa," disse o soldado.
"Estás vendo essa árvore grande?" disse a bruxa, apontando para uma árvore que estava ao lado deles. "Bem, ela é bem oca por dentro. Você deveria escalar até o seu topo. Lá em cima, quando vir um buraco pelo qual poderá entrar na árvore, deveria entrar e ir até o fundo. Eu amarrarei uma corda em você, e assim poderei puxá-lo lá de dentro, quando me chamar."
"E o que eu iria fazer, dentro de uma árvore?" perguntou o soldado.
"Pegar dinheiro," respondeu a bruxa; "Saiba que quando chegar ao fundo da árvore, se encontrará em um grande salão, iluminado por trezentas lâmpadas; daí que verás três portas, que serão facilmente abertas, pois as chaves estão nas fechaduras. Ao entrar na primeira das câmaras, para onde essas portas te levarão, verás um grande baú, jogado no meio do chão, e na frente dele um cão, sentado com um par de olhos parecidos como copos de chá. Mas você não precisará ter medo dele; Eu lhe darei meu avental azul avermelhado, que você deverá colocar no chão e depois, audaciosamente, segurar o cão e deitá-lo sobre ele. Então você poderá abrir o baú, e tirar dele tantas moedas quanto quiser, são moedas de cobre. Mas se desejar moedas de prata, deverá ir até a segunda câmara. Lá encontrará outro cão, com olhos grandes quanto rodas de moinho; Mas não se assuste. O coloque sobre meu avental, e depois pegue quanto dinheiro quiser. Entretanto, se quiser moedas de ouro, entre na terceira câmara, onde há outro baú cheio de moedas douradas. O cão que lá habita é apavorante; seus olhos são grandes como torres, mas não se importe com isso. Se ele for colocado sobre meu avental, não poderá machucá-lo, e poderás tirar do baú o ouro que desejar."
"Não é uma má-ideia," disse o soldado; "mas o que eu devo dar pra você, bruxa velha? É lógico que não me contou tudo isso por nada."
"Não," disse a bruxa; "não te peço nem mesmo uma simples moeda. Só prometa que me trará uma antiga caixa de fósforos, que minha avó esqueceu lá da última vez que entrou na árvore."
"Muito bem; Está prometido. Vamos, amarre a corda em minha cintura."
"Pronto," disse a bruxa, assim que atou a corda em volta do soldado; "e aqui está meu avental azul avermelhado."
Tão logo a corda foi apertada, o soldado escalou a árvore e depois entrou pelo buraco indicado para chegar ao seu interior. Lá ele encontrou, conforme a bruxa havia lhe contado, um grande salão, com muitas lâmpadas acesas.
Em seguida ele abriu a primeira porta. "Ah!" lá, sentado, estava o cão com olhos grandes como copos de chá, encarando-o.
"Bom menino," disse o soldado, segurando-o e colocando-o sobre o avental da bruxa, enquanto enchia a mochila com tantas moedas quanto eles podiam carregar. Então fechou a tampa do baú e sentou o cão novamente em sua frente. Se dirigiu para a outra câmara, e, como esperava, lá havia outro cão, com olhos grandes como as rodas de um moinho.
"Você não deveria estar me olhando desse jeito," disse o soldado; "você fará seus olhos chorarem águas;" e então o sentou sobre o avental, e em seguida abriu o baú. Mas quando viu a quantidade de moedas de prata ele continha, ele rapidamente se desfez de todas as moedas de cobre que tinha pego, enchendo a mochila com nada mais que moedas de prata. Depois ele entrou na terceira câmara, e lá o cão era realmente horripilante; seus olhos eram, realmente, como grandes torres, e eles rodopiavam por sua cabeça como rodas.
"Bom dia," disse o soldado, acenando para ele, pois nunca tinha visto um cão como aquele em toda sua vida. Mas após olhá-lo mais de perto, sentiu que tinha sido civilizado o bastante, então o colocou no chão e abriu o baú. Que maravilha! Tamanha a quantidade de ouro que havia. O suficiente para comprar todos os bastões de açúcar das vendedoras de doce, todos os soldadinhos de chumbo, chicotes ou cadeiras de balanço do mundo, até mesmo uma cidade inteira. Havia uma quantidade imensa, de fato. Então o soldado se desfez de toda a prata que tinha coletado, e encheu a mochila com ouro; não só a mochila, mas os bolsos, seu quepe e suas botas, tanto que mal conseguiria andar. Ele era, definitivamente, um homem rico agora; Daí que repôs o cão ao seu lugar, fechou a porta e gritou, lá de dentro da árvore: "Me puxe para fora, agora, sua bruxa velha."
"Pegaste minha caixa de fósforo?" perguntou-lhe a bruxa.
"Não; Confesso que esqueci dela." Então ele voltou e pegou a caixa de fósforo, a bruxa pode enfim puxá-lopara fora da árvore, e ele se viu novamente na estrada, com os bolsos, sua mochila, seu quepe e suas botas cheias de ouro.
"O que farás com essa caixa de fósforo?" perguntou o soldado.
"Isso não significa nada pra você," disse a bruxa; "Tu tens o dinheiro, dê-me a caixa de fósforo."
"Eu perguntei o que tu farás com essa caixa de fósforo?," irritou-se o soldado, "se não me contar o que fará com isso, irei desembainhar minha espada e cortarei sua cabeça."
"Não," disse a bruxa.
O soldado imediatamente decepou a cabeça da bruxa, que caiu no chão. Ele fez uma trouxa com o aventou dela, onde pôs todas as moedas que tinha catado, e atirou-o nas costas como um pacote. Guardou a caixa de fósforo no bolso da calça e caminhou até a cidade mais próxima.
Era uma cidade muito boa, e ele se hospedou na melhor hospedaria. Encomendou um jantar com seus pratos favoritos, pois era um homem rico e tinha muito dinheiro.
O servo, que limpou suas botas, as julgou muito velhas para um cavalheiro tão rico, pois ele ainda não tinha tido tempo de compra um par novo. No dia seguinte ele comprou roupas novas e botas apropriadas, e logo nosso soldado se tornou um bom cavalheiro e o povo vinha visitá-lo, para contar para ele sobre todas as maravilhas que poderiam ser vistas na cidade, e também dobre a bela filha do Rei, a Princesa.
"Onde posso encontrá-la?" perguntou o soldado.
"Ela não pode ser vista facilmente," eles disseram; "ela vive em um castelo imenso, rodeado por muros e torres. Ninguém, além do próprio Rei, pode entrar ou sair de lá, isso porque existe um profecia de que ela se casará com um soldado comum, e o Rei não suportaria tal casamento."
"Gostaria muito de poder vê-la," pensou o soldado; mas possivelmente não teria permissão para isso.
Entretanto, ele passou um prazeroso tempo na cidade; foi ao teatro, caminhou pelo jardim real, e deu muito dinheiro para caridade, o que lhe agradava muito; ele sabia, pelo que tinha passado, o que era não ter nem mesmo uma moeda no bolso. Agora, era rico, usava roupas finas e tinha muitos amigos, que declaravam que ele era um homem bom, e isso o gratificava demais. Mas o dinheiro não dura para sempre; e como ele gastou e deu uma boa quantia do que tinha, e não recebeu nada, um dia notou que lhe restavam apenas duas moedas. Assim se viu obrigado a deixar sua casa luxuosa e passou a viver em um pequeno sótão, onde tinha que limpar suas próprias botas e até mesmo remendá-las com uma agulha de sapateiro. Com a desculpa de que eram muitas escadas até o sótão, nenhum de seus amigos vinham lhe visitar.
Numa tarde sombria, não havia restado nem mesmo uma moeda para ele comprar uma vela; mas ele se lembrou que havia um pequeno toco de vela dentro da caixa de fósforo, que ele pegou na árvore oca, onde a bruxa o ajudou. Ele encontrou a caixa de fósforo, e assim que conseguiu fazer algumas faíscas, a porta do sótão se abriu e ele viu o cão com olhos grandes como copos de chá, que ele havia encontrado no interior da árvore. Estava ali, na sua frente, e perguntou ao soldado: "O que desejas, Mestre?"
"Uau," disse o soldado; "essa caixa de fósforos é bem conveniente, se pode realizar meus desejos. Traga-me dinheiro," ordenou ao cão. Pouco tempo depois o cão retornou carregando um saco cheio de cobre em sua bocarra.
O soldado descobriu o verdadeiro valor daquela caixa de fósforos. Se ele riscasse uma vez, o cão que guardava o baú de cobre aparecia perante ele; se o fizesse duas vezes, quem vinha era o cão que protegia o baú de prata; mas se riscasse três vezes, o cão que tinha olhos como torres, que era o guardião do baú de ouro, era quem vinha ter com ele. O soldado tinha, novamente, muito dinheiro, e reapareceu na cidade com roupas elegantes, voltou a viver em um grande salão e seus antigos amigos o reconheceram e voltaram a adulá-lo.
Passado algum tempo, ele começou a achar muito estranho que ninguém pudesse, ao menos, dar um a olhadela na princesa que viva no castelo protegido por muros e torres. "Todos dizem que ela é muito bela," pensou consigo mesmo; "mas que serventia tem isso se ela está presa em um castelo de cobre, cercado por tantas torres. Como será que eu poderia vê-la? Espere aí! Onde está minha caixa de fósforos?" A encontrou e a riscou uma vez, e em instantes o cão com olhos de copo de chã apareceu perante o soldado.
"É meia-noite," disse o soldado, "desejo muito ver a princesa, nem que seja por apenas um instante."
O cão desapareceu instantaneamente, e antes mesmo que soldado pudesse piscar, ele retornara com a princesa. Ela estava dormindo, deitada nas costas do cão, e parecia tão amável, que qualquer que a visse saberia que se tratava de uma princesa. O soldado não poderia deixar de beijá-la, pois era um verdadeiro soldado.
Então o cão levou a princesa embora; mas pela manhã, enquanto fazia o desjejum com a rainha e o rei, ela contou pra eles o sonho, extraordinário, que tinha tido durante a noite. Sobre o cão e o soldado, que tinha sido carregada pelo cão e beijada pelo soldado.
"É, de fato, uma história muito bonita," disse a rainha.
Mas na noite seguinte, uma das velhas damas da corte foi enviada para vigiar a princesa enquanto dormia, para descobrir o que realmente foi aquele sonho incomum, ou o que poderia ser.
O soldado queria muito rever a princesa mais uma vez, então enviou o cão novamente para buscá-la o mais rápido possível. Mas a velha dama da corte seguiu o cão e viu que ele a levara para um casarão. A velha dama da corte marcou a porta do casarão com uma cruz, usando um pedaço de giz. Deste modo ela não se esqueceria do casarão pra onde a princesa fora levada, e voltou pro quarto da princesa, quase que no mesmo momento em que o cão voltou com a princesa, adormecida, no lombo. Mas quando o cão voltou para o casarão do soldado, viu que a porta estava riscada com uma cruz. Ele pegou outro pedaço de giz e marcou com cruzes as portas de todas as casas da cidade, assim a dama da corte não poderia achar a porta certa.
No dia seguinte, bem cedinho, o rei e a rainha, acompanhados da dama da corte e de oficiais do reino, para ver pra onde a princesa havia sido levada à noite.
"É aqui," disse o rei, assim que viu a primeira casa com uma cruz marcada na porta.
"Não, meu querido marido, deve ser esta aqui," disse a rainha, apontando para a cruz marcada na porta de uma outra casa.
"E aqui tem mais uma, e lá outra!" disseram todos; haviam cruzes em todas as portas, de todas as casas, em todas as direções. Assim viram que seria inútil continuar procurando.
Mas a rainha era uma mulher muito inteligente; ela podia fazer muito mais do que apenas passear por aí em uma carruagem. Ela pegou sua grande tesoura dourada, cortou um pedaço de seda em pequenos quadradinhos, e fez uma pequena sacola, que foi recheada com farinha de trigo. Então a rainha fez um pequeno buraco na sacola e pendurou no pescoço da princesa. deste modo, a farinha iria cair no chão, por onde a princesa fosse levada à noite, marcando assim o caminho para a casa misteriosa.
Durante a noite, o cão voltou e levou a princesa, em suas costas, para o soldado, que a amava muito e deseja se tornar um príncipe, uma vez que pretendia desposá-la.
O cão não notou que a farinha de trigo estava marcando o caminho do castela até a casa do soldado, principalmente até a janela por onde ele entrou com a princesa. Na manhã seguinte, o rei e a rainha encontraram o local pra onde sua filha havia sido levada. O soldado fora capturado e levado para a prisão.
Oh, quão sombrio e desagradável era estar ali, ouvindo as pessoas dizerem que ele seria enforcado no dia seguinte. Não eram boas notícias, além do mais, ele tinha esquecido a caixa de fósforos na hospedaria. De manhã, ele pôde ver por entre as grades de ferro da pequena janela de sua cela, como as pessoas estavam se reunindo, apressadas, para assistir seu enforcamento; ouviu os tambores batendo e os soldados marchando. Todos olhavam para ele. U menino, que trabalhava como sapateiro, com seu avental de couro e chinelos, corria tão rápido que um de seus chinelos saiu de seu pé e bateu contra o muro onde o soldado estava sentado, observando tudo, através da grade de ferro.
"Ei, você, sapateiro, não precisa se apressar tanto," disse-lhe o soldado aprisionado. "Não acontecerá nada, até que eu seja levado para a forca; mas se você me trouxer minha caixa de fósforos, que esqueci em meu quarto, na hospedaria, lhe darei quatro moedas de ouro. Mas você precisa ir lá rápido." O men ino sapateiro gostou da ideia e correu bastante, para ir pegar a caixa de fósforos. Ele a entregou para o soldado e agora todos nós saberemos o que aconteceu depois.
Na cidade fora erguida uma grande forca, rodeada de soldados e milhares de plebeus. O rei e a rainha sentaram-se em tronos esplendidos, ao lado de juízes dos conselheiros reais.
O soldado já estava na escadaria que dava na forca; quando estavam prestes a colocar a corda da forca em seu pescoço, ele disse que a tradição garantia-lhe um pedido inocente, como um último deseja a quem era condenado à morte. Disse que desejava fumar um cachimbo, que seria o último que poderia fumar em vida.
O rei não recusou o pedido, então o soldado pegou sua caixa de fósforos, riscou o palito, uma, duas, três vezes, e em um instante todos os cães surgiram perante a corte, o que tinha olhos de copo de chá, o que tinha olhos como rodas de um moinho e o que tinha olhos como torres.
"Me ajudem afora, não posso ser enforcado," gritou o soldado. Então os cães avançaram contra os juízes e o conselho; pegaram uns pelos pés e outros pelos narizes e os jogaram tão alto, no céu, que quando caíram foram feitos em pedaços.
"Eu não serei tocado," disse o rei. Mas o maior dentre os cães o pegou, bem como a rainha, e os jogou para onde os outros tinham sido jogados. então os soldados e os plebeus apavoraram-se e gritaram, "Bom soldado, deves ser nosso rei, devias se casar com a bela princesa."
Assim, levaram o soldado à carruagem real, e os três cães prostraram-se em sua frente e disseram "Salve!"
Os menininhos aquietaram-se e os soldados apresentaram suas armas. A princesa deixou o castelo de cobre e se tronou rainha, o que muito lhe agradou. Os festejos de núpcias duraram uma semana inteira, e os cães se sentaram à mesa, e viram tudo, com seus próprios olhos.
FIM
Fonte: Andersenstories.com
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