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Contos de Perrault: Cinderella ou O Pequeno Sapato de Vidro


(Título original: Cendrillon, ou la petite pantoufle de verre)

Conto de fadas popularizado por Charles Perrault, em 1697
Tradução por Marlo George
Ilustração de Jenny Nyström (Domínio público)

No passado, houve um cavalheiro que casou-se, pela segunda vez, com a mais orgulhosa e arrogante mulher que jamais se teve notícia. Ela tinha duas filhas de seu primeiro casamento que eram, em todos os aspectos, exatamente como ela. Ele, assim como ela, também tinha uma filha de seu primeiro casamento, uma jovem de bondade e doçura incomparáveis, traços que havia puxado de sua falecida mãe, que tinha sido a melhor dentre todas as criaturas deste mundo.

Tão logo a cerimônia de casamento terminou, a madrasta começou a mostrar seu verdadeiro caráter. Ela não suportava as qualidades da bela enteada, e isso porque tais atributos faziam com que sua própria filha se parecesse ainda mais odiosa. Então, ela a incumbiu com as tarefas mais árduas da casa, como lava a louça, limpar as mesas e etc..., precisa inclusive limpar a câmara da madrasta e, quando elas se esqueciam, as de suas irmãs de criação. A pobre moça dormia em um canto sujo, num punhado de palha, enquanto as irmãs dormiam em quartos bonitos de pisos embutidos e camas estilosas, tão grandes que elas cabiam nelas por inteiro, dos pés à cabeça.

A pobre garota suportava tudo isso pacientemente, sem contar nada ao seu pai, que já havia sido dominado pela madrasta e, possivelmente, daria-lhe um corretivo. Sempre que terminava seu trabalho, costumava ir descansar perto da lareira, entre o pó e as cinzas, que a sujavam, grudando-se nela. Por isso passou a ser chamada pelo apelido "Cinza-Nela". Apenas a filha mais nova da Madrasta, que era menos malvada e insegura que a mais velha, a chamava "Cinderela". Porém, apesar do vestido sujo e rúsico que usava, Cinderela era centenas de vezes mais bela que suas irmãs de criação, embora elas estivessem sempre trajadas com vestidos caros.

Um dia o filho do Rei promoveu um baile, e todos que eram chiques no Reino foram convidados. As nossas jovens donzelas também foram convidadas, pois figuravam entre os que eram considerados figuras importantes. Elas deliciaram-se com o convite, e maravilhadas ocuparam-se em escolher vestidos, anáguas e penteados que lhes caíssem bem. Isso foi mais um empecilho na vida de Cinderela, pois era ela quem devia engomar, passar e franzir os vestidos. Suas irmãs não falavam de outra coisa, a não ser sobre como deveriam estar vestidas para o baile.

– Por mim, – dizia a mais velha – irei usar meu vestido de veludo vermelho francês.

– E eu, – dizia a caçula – irei usar meu vestido com anágua, e para incrementá-lo, colocarei minha capa dourada florida, e meus diamantes, que estão longe de serem comuns.

Foi-lhes enviado o melhor cabeleireiro que puderam pagar, para que as penteasse e maquiasse seus rostos com pó-de-arroz, à moda da Mademoiselle de la Poche.

As duas consultavam Cinderela, pois ela tinha ideias excelentes e seus conselhos eram sempre bons. Na verdade, foi a própria Cinderela que se ofereceu para ajeitar seus cabelos, o que foi aceito de bom grado. Enquanto ela fazia isso, elas perguntaram: – Cinderela, você gostaria de ir ao baile?

– Nem pensar! – respondeu – Você deve estar me gozando. Não seria conveniente que uma pessoa como eu fosse à um baile.

– Você está realmente certa – disseram as irmãs – As pessoas iriam rir ao ver uma "Cinza-Nela" no baile.

Outra pessoa poderia arrumar as cabeleiras delas de modo desajeitado de propósito, mas Cinderela era boa, e então as arrumou da melhor maneira que pode. Elas ficaram tão entusiasmadas que não comeram por quase dois dias inteiros. Depois arruinaram dúzias de cordões tentando ajustar seus espartilhos para ficarem magérrimas e com uma silhueta delgada. Estavam sempre em frente ao espelho. Em fim, o dia tão esperado chegou. Elas foram embora, em direção à capital do Reino e Cinderela as seguiu com os olhos enquanto pode. Assim que as perdeu de vista, começou a chorar.

Sua madrinha, que a viu coberta de lágrimas, perguntou o que tinha acontecido.

– Eu desejava que pud... Eu deseja poder i..r.. – Tentava falar a garota, sempre sendo interrompida por lágirmas e choro.

Essa sua madrinha, que era uma fada, disse para ele: – Você deseja ir ao baile?

– Sim! – disse Cinderela, com um grande suspiro.

– Muito bem – disse a fada madrinha – Seja uma boa mocinha e eu arrumarei um jeito de você ir até lá – então levou Cinderela à sua câmara, e disse: – Corra até o jardim e me traga uma abóbora.

Cinderela partiu imediatamente para pegar a melhor abóbora que pudesse encontrar, e a levou até a fada madrinha, sem saber ao certo como uma abóbora poderia ajudá-la a ir ao baile. A fada madrinha extraiu todo interior do fruto, deixando-o oco. Fazendo isso, ela tocou a abóbora com sua varinha mágica e, instantaneamente, ela se transformou em uma carruagem, adornada com ouro.

Depois foi até uma ratoeira, que estava num canto da câmara e que tinha capturado seis camundongos, todos vivos e pediu que Cinderela os libertasse da armadilha. A garota obedeceu e assim que cada um dos ratinhos ia se livrando da ratoeira era tocado pela varinha, transformando-se em cavalos cinzentos.

Percebendo que faltava alguém para conduzir a carruagem, Cinderela disse: – Irei até minha casa e verei se tem algum ratinho preso em alguma ratoeira para que seja transformado em um condutor.

– Muito bem! – disse a fada-madrinha – Vá e veja se encontra outro.

Cinderela partiu e logo retornou com uma ratoeira que tinha três grandes ratos cativos. A fada-madrinha escolheu o que tinha um longo bigode, tocou-o com a varinha e ele se transformou em um gordo e alegre condutor, com o bigode mais bacana que já se tinha visto.

Depois disso, ela disse: – Volte ao jardim e veja se encontra seis lagartixas atrás dos vazos de água e as traga para mim.

Ela as encontrou e a fada-madrinha as transformou em seis guardas, que se posicionaram imediatamente atrás da carruagem, com seus uniformes adornados com detalhes em ouro e prata, tão encostados uns nos outros, que parecia que não tinham feito outra coisa na vida. A fada então disse para Cinderela: – Aqui está tudo que precisa para ir ao baile. Está contente agora?

– Oh, sim! – disse a moça, chorosa – Mas terei de ir assim, toda maltrapilha?

Sua fada-madrinha então a tocou com sua varinha, e, na mesma hora, sua roupa se tornou um vestido de ouro e prata, todo adornado com pedras preciosas. Feito isso, ela a presenteou com um par de sapatinhos de vidro, o mais belo de todo o mundo. Preparada, ela entrou na carruagem, mas sua fada-madrinha lhe recomendou que ela não ficasse no baile após a meia-noite, pois se isso acontecesse, a carruagem voltaria a ser uma abóbora, os cavalos se transformariam em camundongos, o seu condutor voltaria a ser uma ratazana, os guardas virariam lagartixas novamente e suas roupas voltariam a ser exatamente como eram antes do encanto.

Ela prometei à sua fada-madrinha que deixaria o baile antes da meia-noite e dirigiu-se ao baile, quase não contendo-se de tanta alegria. O filho do Rei, que tinha sido informado que uma grande princesa, que ninguém conhecia, estava se aproximando, foi recebê-la. Ele ofereceu-lhe a mão e a ajudou a deixar a carruagem, levando-a até o salão, para que se juntasse aos outros. Houve imediatamente um profundo silêncio. Todos pararam de dançar, e os violinos pararam de tocar, com a entrada da desconhecida, de beleza tão singular.

Nada mais foi ouvido, além de uma confusão de vozes que diziam: – Nossa! Como ela é bela! Nossa! Como ela é bela!

O próprio Rei, idoso como era, não pode deixar de vê-la, e dizer, baixinho, à Rainha que já havia muito tempo que ele não via uma criatura tão bela e amável quanto aquela.

As demais Damas da Corte ocuparam-se em reparar em seu vestido e penteado, na esperança de poder copiar os padrões, isso se achassem materiais tão refinados e mãos hábeis o suficiente para replicá-los.

O filho do Rei a levou até um assento de honra, e depois a convidou para uma dança. Ela dançou com muita graciosidade e todos a admiraram ainda mais. Um jantar fino foi servido, mas o jovem Príncipe  não tocou em um bocado, de tão ocupado que estava olhando para ela.

Ela estava sentada próxima de suas irmãs de criação, demonstrando muita educação ao oferecer-lhes um pouco da laranja e da cidra que o próprio Príncipe a tinha presenteado. Isso as deixou muito surpresas, pois nenhuma das duas a reconheceu. Enquanto Cinderela agradava suas irmãs, ouviu o relógio tocar. Eram onze e quarenta e cinco da noite. Ela imediatamente fez um gesto muito cortês, agradecendo a companhia e correu para fora do salão o mais rápido que pode.

Chegando em casa, foi procurar sua fada-madrinha, e após agradecê-la, disse que não podia deixar de ir ao segundo dia de baile, pois o filho do Rei a havia convidado pessoalmente.

Contou para a fada, com entusiasmo, tudo que aconteceu no baile, mas logo suas duas irmãs bateram na porta e Cinderela foi atendê-las.

– Nossa! Como vocês demoraram! – disse Cinderela, esfregando os olhos, bocejando e espreguiçando-se como se estivesse dormindo enquanto ambas estavam fora.

– Se tivesse ia ao baile – disse uma de suas irmãs – você não estaria toda sonolenta. Acontece que a Princesa, mais bela que os olhos mortais já puderam ver, esteve lá. Ficou nos agradando, oferecendo laranjas e cidra.

Cinderela fingiu desinteresse no assunto, mas perguntou-lhes o nome da tal Princesa. Elas responderam que não sabiam, mas que o Príncipe tinha ficado muito afoito por não saber quem era ela, e que daria o mundo para descobrir. Com isso, Cinderela sorriu, e disse: – Ela devia, então, ser realmente muito bela. Nossa! Como vocês são afortunadas! Será que eu poderia ir ao baile para vê-la? Oh! querida Charlotte, empreste-me aquele seu vestido amarelo que você usa todos os dias.

– Ah, tá! – disse Charlotte – Como se eu fosse emprestar alguma roupa minha para uma "Cinza-Nela" suja como você! Acha o que? Que sou estúpida?

Cinderela já esperava por essa resposta, e ficou muito grata pela recusa. Ficaria realmente triste se tivesse que usar o vestido da irmã, que tinha jocosamente pedido emprestado.

No dia seguinte, as duas irmãs se dirigiram para o baile, assim como Cinderela, que estava trajada com um vestido mais magnífico que o anterior. O filho do Rei ficou todo o tempo ao seu lado, nunca parando de adulá-la e elogiá-la. Tudo aquilo estava tão longe de ser enfadonho que ela quase esqueceu-se do aviso da fada-madrinha. Pensava que ainda não era nem onze horas quando o ponteiros do relógio encontraram-se apontando o número doze. De um salto, a moça fugiu, ágil como um veado. O Príncipe a seguiu, mas não conseguiu alcançá-la. Ela deixou pra trás um de seus sapatinhos de vidro, que o Príncipe pegou com cuidado. Ela voltou pra casa, sem fôlego, já trajando suas vestes maltrapilhas e com apenas um chinelo, que fazia par com aquele que ela tinha deixado no Palácio.

Os guardas do portão do Palácio foram perguntados se não teriam visto uma Princesa ir embora. Eles responderam que não viram ninguém, além de uma mocinha mal vestida, que mais parecia uma empregada do que uma dama.

Cinderela perguntou se suas duas irmãs tinham se divertido no baile, assim que elas retornaram do Palácio, e se a tal bela dama tinha aparecido por lá.

Elas contaram-lhe que sim, mas que ela tinha ido embora, às pressas, assim que o relógio informou que era meia-noite, e que, tamanha pressa fizera com que ela perdesse um sapatinho de vidro, o mais bonito do mundo inteiro, que o Príncipe guardou consigo, mas que transformara-se em um chinelo sujo logo depois. Disseram ainda que  o Príncipe não fez nada além de olhar para ela durante todo o baile, e que certamente estava apaixonado pela dona do sapatinho de vidro.

O que diziam era a mais pura verdade. Dias depois, o filho do Rei proclamou, ao som de trompetes, que se casaria com a moça que pudesse calçar aquele chinelo. Começaram procurando a dona do chinelo entre as Princesas, depois entre as Duquesas e, enfim, em toda a corte, mas foi em vão. Até mesmo as duas irmãs de Cinderela tentaram calçar o chinelo, mas por mais que se esforçassem para calçá-lo, o chinelo não coube em seus pés.

Cinderela, que tinha visto tudo, e que sabia que o chinelo era seu, disse para ela, rindo: – Deixe-me ver se o chinelo não irá me servir.

As duas irmãs riram e troçaram dela. O Cavalheiro, que tinha sido enviado para tentar encontrar a dona do chinelo, olhou para Cinderela e, considerando que era bela, disse que agora só restava ela para experimentar o chinelo, e que tinha ordens de tentar calçá-lo em todas as moças do Reino.

Ele ajoelhou-se onde Cinderela estava sentada, e, colocou o chinelo em seu pé, que o calçou com facilidade, como se tivesse sido feito de encomenda. Suas duas irmãs ficaram maravilhadas, ainda mais quando Cinderela tirou do bolso o outro chinelo, calçando-o. Naquela hora surgiu a fada-madrinha que o tocou Cinderela com sua varinha, tornando-a ainda mais magnífica do que tinham sido anteriormente.

Agora, suas duas irmãs viram que ela era aquela bela e refinada dama que elas viram no baile. Elas jogaram-se aos seus pés, clamando por perdão pelos anos de maus tratos que haviam afligido-lhe. Cinderela mandou que se levantassem, para então abraçá-las, dizendo que estavam perdoadas de todo seu coração, e que sempre quis que elas a amassem.

Então ela foi levada até o Príncipe, vestida como estava. Ele a achou mais encantadora do que antes, e, alguns dias depois, casou-se com ela. Cinderela não era mais bondosa do que era bela, dando às suas duas irmãs alojamentos no Palácio, e, no mesmo dia, elas foram apresentadas à dois Lordes da Corte.

FIM

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